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Causos da Estrada

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Tudo que vivemos durante a viagem acaba virando história para contar, inclusive aquelas situações que daríamos tudo para nunca ter vivido. Esse é o caso do Causos da Estrada de hoje. Na hora que vivíamos a pior situação de toda a nossa viagem até agora, eu sinceramente não achei que estaríamos aqui hoje para contar essa história.

Já estávamos nos nossos últimos dias na Rússia, depois de ter ficado no país por 34 dias, e até então não tivemos nenhuma ocorrência grave. Tirando um espertinho que quis nos ludibriar na orla de Sochi cobrando mais do que o combinado para passar a mão num leãozinho, no geral nossos dias na Rússia foram tranquilos e baratos.

Mas tudo estava para mudar quando saímos de Sochi em direção à fronteira da Rússia com a Geórgia, na cidade de Vladikavkaz. Saímos de Sochi às 10 horas da manhã e, se tudo corresse bem, 22 horas estaríamos em Vladikavkaz para dormir e cruzar a fronteira no dia seguinte pela manhã (uma viagem de aproximadamente 12 horas).

Mas nada deu certo esse dia. Todos os policiais que não vimos na Rússia inteira estavam concentrados nessa região sul do país. Em diversos trechos da estrada nos deparamos com blitz policial e fomos parados em quase todas. Algumas eram bem rápidas, apenas checagem dos documentos do carro e do motorista, outras levavam um pouco mais de tempo, pois o policial pedia para descer do carro, abrir a parte traseira, e até fazer teste de bafômetro. Nessa parada até rimos quando voltamos para o carro, recordando como o policial insistia que o Cris tinha bebido alguma coisa alcoólica. Chamou o Cris de baforento, com certeza! Rsrs. Nosso bom humor, no entanto, estava prestes a acabar.

Uma parada policial atrás da outra começou a atrasar muito a viagem e realmente irritava andar 30 a 50 quilômetros e ter que passar pelo mesmo procedimento de checagem de novo, sem o policial compreender uma palavra do que falávamos e vice-versa. Numa das paradas, ainda de dia, os policiais fizeram questão de checar os nossos passaportes e nos seguraram por um pouco mais de 1 hora. Embora tenham sido muito simpáticos e até tenham nos presenteado com um refrigerante típico da Rússia, ficar parado todo esse tempo nos colocava numa situação difícil e já víamos que não iríamos chegar na cidade da fronteira no mesmo dia.

Uma das paradas foi quase uma perseguição policial rs. Um carro da polícia andava atrás de nós com as luzes ligadas, mas sem som. Não sabíamos que isso significava que tínhamos que parar, não fizeram nenhum sinal e continuamos dirigindo. Eles claramente se irritaram, passaram do nosso lado e gesticularam de forma bem agressiva para pararmos. Depois das checagens de rotina, levamos uma bronca daquelas.

Depois de muitas paradas, decidimos que iríamos dirigir até umas 22 horas e parar em algum posto de gasolina para dormir, como tínhamos feito em outros momentos na Rússia. Embora a nossa regra seja não dirigir de noite em lugares que não conhecemos, abrimos uma exceção na Rússia, pois as distâncias dentro do país são muito longas e queríamos chegar logo, sair logo da estrada. Pensávamos que cada dia a menos de estrada era um dia a menos de perigo.

Quando deu 20:30hs começamos a procurar um posto de gasolina para parar, mas já era 22hs e ainda não tínhamos encontrado nenhum. Todos por onde passamos eram pequenos e não aceitavam pernoitar. O Dani já estava dormindo e nós seguíamos viagem, já bem cansados. Nesse trecho da estrada era só uma pista de cada lado e muitos caminhões na estrada. Vimos que não vinha nenhum carro na mão contrária e ultrapassamos o caminhão, na faixa contínua. Nesse momento, o carro que estava atrás de nós, que parecia um carro comum, acendeu as sirenes e vimos que era um carro da polícia. Tivemos que encostar.

Paramos num lugar totalmente ermo, sem energia elétrica ou sinal de celular. Os policiais pediram que o Cris descesse do carro e os acompanhasse até a viatura. Vi que o Cris tinha ido sem blusa de frio e aproveitei a desculpa de levar uma blusa para me aproximar da viatura, mas não permitiram que eu ficasse lá. Os russos são extremamente machistas e não aceitam tratar nada com mulher. Isso já me deixou irritada.

Depois de uns 20 minutos o Cris voltou para o carro e disse que os policiais queriam 800 euros para nos deixar ir, do contrário iam rasgar os documentos do Cris e arrumar uma história para levá-lo preso. Nós não tínhamos todo esse dinheiro, apenas uns 500 rublos, que dá menos de 30 reais, mas mesmo assim eu me recusava a dar esse dinheiro para policiais corruptos.

O Cris estava numa situação muito difícil, temendo que os policiais nos matassem ali mesmo e forjassem uma situação para justificar a morte da família. Não tínhamos como pedir socorro para ninguém sem a internet e cheguei até a pensar em parar um carro que passava, mas o que dizer? Ia ser muito pior. Ninguém ia peitar a polícia por causa de uma família de estrangeiros.

Apesar da situação de perigo, eu não estava disposta a dar dinheiro para aqueles bandidos e eles viram eu e o Cris discutindo feio sobre o assunto. O Cris voltou para a viatura, sem dinheiro, para mais uma vez tentar convencê-los a emitir a multa e nos deixar seguir, mas não parecia ter acordo.

Nesse intervalo, eu tentei tirar uma foto da placa da viatura e um dos policiais que estava do lado de fora viu. Também passei a esperar o Cris do lado de fora do nosso carro, perto da porta, mas olhando na direção da viatura. Estava um frio de congelar os ossos, mais ou menos zero grau. Eu tremia de frio e de medo ao mesmo tempo, não sei como não me deu dor de barriga.

Nessa hora, o policial que estava assediando o Cris dentro do carro veio em minha direção. Antes que ele falasse qualquer coisa, eu abri a porta do carro onde o Dani estava dormindo e mostrei o nosso filho e tentei apelar para o emocional, disse que éramos pessoas de bem e pedi que ele não fizesse isso com a gente. Mas, nessa hora ele queria outra coisa: que eu apagasse a foto.

Não sei o que me deu nessa hora, mas eu me recusei a apagar a foto até que ele nos entregasse nossos documentos. Ele insistiu para eu apagar a foto por 3 vezes, e cada vez eu falava mais alto e firme que só faria se ele devolvesse os documentos. Louca, completamente. Confesso que não sei o que me deu. Lembro vagamente do Cris gritando comigo de um lado para eu parar e apagar logo a foto que eles iam nos matar e o policial gritando do outro lado.

Para nossa surpresa, o policial foi até a viatura e trouxe os nossos documentos de volta. Em seguida apaguei a foto, que nem tinha dado certo, pois fiquei com tanto medo na hora que tirei que não consegui focar.

Pensei que ele ia nos deixar seguir, mas ainda insistia em receber dinheiro, só que dessa vez apenas 200 euros. Ele digitou esse valor em seu celular e me mostrou. Nessa hora vi a foto dos seus dois filhos na tela do celular e mais uma vez apelei para o emocional, foi quando ele enfim nos deixou seguir, não sei se por dó ou medo de ser identificado.

Seguimos nosso caminho aterrorizados, com essa viatura atrás de nós por vários minutos. Paramos num posto de gasolina onde pegava a internet e compartilhamos com os nossos amigos a situação e a nossa localização. Estávamos com muito medo!

Esperamos um pouquinho e não vimos mais essa viatura, então seguimos viagem à procura de um hotelzinho para dormir, pois já não nos sentíamos seguros para dormir num posto. Nosso pesadelo por essa noite, no entanto, ainda estava bem longe de acabar.

Andamos poucos quilômetros e mais uma vez fomos parados, dessa vez num posto de controle de passaporte. Mais uma vez o Cris foi sozinho e eu fiquei no carro. Vi várias pessoas que chegaram antes de nós indo embora e nada do Cris sair. Não resisti e fui lá ver o que estava acontecendo antes de me expulsarem.

Quando entramos no país informamos que íamos ficar 30 dias e já estávamos a 35, portanto, segundo os policiais, estávamos ilegais no país. Nós entendemos na nossa entrada que essa informação era apenas uma estimativa, pois o acordo entre Brasil e Rússia é de 90 dias. Ainda assim, os policiais queriam 15.000 rublos para não prender o Cris, algo em torno de 850 reais. Segundo eles, esse valor era a título de multa. O Cris pediu para emitir a multa que pagaríamos no banco no dia seguinte, mas eles queriam receber em dinheiro. O Cris ligou no consulado, mas ninguém atendeu (ainda bem, porque não iam nos ajudar, como descobrimos no dia seguinte).

Como não tínhamos dinheiro em espécie e eles não queriam emitir a multa, depois de uma hora de canseira, nos deixaram seguir. Nosso desespero para achar um hotel era enorme, mas rodávamos quilômetros e não tinha nada pelo caminho. E, claro, mais paradas policiais. Parece até brincadeira, mas não é. Não achávamos um hotel e não conseguíamos avançar muito porque a polícia nos parava toda hora.

Conseguimos escapar de uma parada porque o policial estava de costas. Quando ele virou e nos viu, fez sinal para pararmos, mas fingimos que não tínhamos visto e ele nos deixou seguir.

Percebemos que íamos ter que dirigir até Vladikavkaz para achar um hotel, e ainda estávamos a mais de uma hora de distância. Já passava de uma hora da manhã. Dirigimos apreensivos, torcendo para não aparecer mais nenhum policial pelo caminho, mas não teve jeito: mais uma parada para controle de passaporte.

Nessa parada foi a mesma situação da anterior: estávamos ilegais e tínhamos que pagar uma multa, que agora caiu para 5.000 rublos (280 reais). Como não tínhamos dinheiro, o policial nos deixou ir, “na paz e na amizade”, em suas palavras.

Foram ao todo 10 paradas policiais, com 3 pedidos de dinheiro.

Chegamos em Vladikavkaz por volta de 2:30hs. No primeiro hotel que fomos, a atendente me tratou muito mal e disse que não tinha mais quartos baratos. Pedi ajuda para achar outro, mas ela fingiu que não me entendia e não me ajudou. Saímos de lá e encontramos outro, aparentemente o melhor hotel da cidade. Estava exausta e já era quase 3 horas da manhã. Entrei para falar com a atendente mais parecendo um zumbi. Para minha surpresa, essa moça falava inglês fluente e foi muito gentil comigo, mas me disse que o hotel estava lotado e só restavam os quartos mais caros, algo em torno de R$ 400,00 reais. Na hora comecei a chorar e despejar nela tudo o que tinha acontecido durante o dia, ao que ela teve pena de mim e disse que ia ver o que fazia. Ligou para alguém e logo em seguida me disse que tinha um quarto que estava fechado para reforma e que poderia me alugar por R$ 120,00, mas só tinha duas camas. Sem problemas, era esse mesmo. Estendi meu saco de dormir no chão e dormi como uma pedra. Estávamos seguros, era o que importava!

No dia seguinte acordamos cedo, tomamos café da manhã e assim que o consulado abriu ligamos lá. Queríamos saber qual era a nossa real situação, já que não dava para acreditar na polícia da Rússia. O que ouvimos foi desanimador: nós realmente estávamos ilegais no país.

Pela política da Rússia, embora o visto seja de 90 dias, se você diz que vai ficar menos dias, isso limita seu visto àqueles dias que você informou. Nossas alternativas não eram nada promissoras:

  • 1) Ficar retidos na cidade da fronteira, abrir boletim de ocorrência e esperar julgamento por um tribunal russo. Nesse julgamento com certeza receberíamos uma multa salgada e só depois seríamos liberados para sair;
  • 2) Passar por todo esse trâmite de julgamento na cidade em que fizemos nosso registro na Rússia, ou seja, em Moscou, cerca de 1.500 quilômetros de distância ou;
  • 3) Pegar um agente de fronteira bonzinho que provavelmente nos pediria algo para liberar nossa saída.

Se não tinha dado dor de barriga na noite anterior com os policiais corruptos, agora deu, e das fortes. Estávamos muito encrencados e não tinha nada que poderíamos fazer para resolver a situação. Não sabíamos quantos dias a mais teríamos que ficar na Rússia, quanto isso iria nos custar, se teríamos que ficar presos esses dias ou apenas com o passaporte retido, enfim, a situação era bem feia.

Voltamos para o quarto do hotel e fizemos a única coisa que poderíamos fazer: apelamos para o Deus dos impossíveis! Nos ajoelhamos e oramos com muito fervor pedindo que Deus abrisse o nosso caminho, porque não podíamos fazer mais nada a respeito. Saímos do hotel confiantes de que Deus faria o melhor por nós, mesmo que isso significasse ficar mais dias na Rússia.

Fomos para a fronteira bem apreensivos. O policial que inicialmente nos atendeu nos direcionou para uma fila, onde fomos atendidos por uma senhora que nos passou um ar bem tranquilo e de paz. Ela não falava quase nada de inglês e ainda tentou fazer algumas perguntas, mas não sabemos bem quais eram. Em nenhum momento nos falou da nossa situação de irregularidade, mas vimos que depois que ela carimbou a saída no passaporte do Cris, alguma coisa a deixou em dúvida e então chamou sua supervisora. Não sabemos o que de fato se passou e se discutiram sobre o nosso papel vencido, mas no fim ela carimbou os três passaportes e saímos da Rússia em menos de uma hora!

Dirigimos uns 200 metros e paramos no acostamento para orar e agradecer a Deus, em meio a muitas lágrimas de gratidão. Deus abriu o mar vermelho para passarmos e saímos em segurança do Egito. Apesar de toda tensão e medo dos últimos dias, sentir tão de perto o cuidado, proteção e livramento de Deus não tem preço. Ele tem cuidado de nós, nas pequenas e nas grandes coisas! Deus seja louvado!

Natany Gomes 

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