À medida que a viagem se aproxima do fim, vamos ficando mais preocupados com as despesas e com as saídas de caixa, fazendo todo o possível para evitar gastos desnecessários e economizar. E nesse espírito chegamos à Inglaterra, um dos países mais caros da Europa, com a libra valendo mais que o euro (que já é caro para nós, brasileiros).

Antes mesmo de cruzarmos o Canal da Mancha percebemos que teríamos dificuldades de encontrar campings baratos no Reino Unido. O cartão de desconto que usamos em quase toda a Europa não é aceito em muitos campings de lá. Com esse cartão, nunca pagamos mais do que 19 euros por noite (cerca de 17 libras), mesmo nos campings das capitais e cidades mais turísticas, que geralmente são mais caros. Sem ele, já vimos campings por 45 euros por noite (um absurdo).

Estudamos cuidadosamente as opções de camping com desconto para organizarmos nosso roteiro utilizando-os como base, mas sabíamos que vez ou outra teríamos que usar algum camping mais caro. E eis que a primeira vez chegou.

Já estava no final do dia e resolvemos parar numa cidadezinha fofa que não estava no roteiro, e isso acabou nos atrasando. Não conseguiríamos chegar no camping com desconto antes do horário que fechava. O jeito foi parar num camping próximo e torcer para não ser tão caro.

Fomos recebidos por uma simpática senhora que trabalhava no restaurante ao lado do camping, pois a responsável tinha saído. O Dani ficou no carro brincando no celular e nós fomos fazer o pagamento para poder entrar.

Geralmente a pessoa do camping nos pergunta quantas pessoas são. Alguns campings cobram pelo Dani, outros, não. Dessa vez, a senhora nos perguntou apenas qual era o tipo do carro. Nós achamos estranho e na hora o Cris me perguntou se deveríamos dizer que tinha uma criança também, mas eu disse que não, que ela teria perguntado se fosse importante (no fundo, quis bancar a espertinha).

Pagamos 19 libras, a senhora explicou tudo sobre o camping, nos mostrou as dependências e onde poderíamos parar. Tudo certinho, fomos para a nossa vaga e o Dani saiu correndo pelo camping para brincar no parquinho. Não tinha ficado tão mais caro assim. Ainda íamos precisar comprar os banhos, por mais 1 libra, mesmo assim estávamos esperando um valor bem mais alto. Ficamos aliviados!

Não demorou muito para a dona do camping chegar e ir até a nossa barraca levar as fichas de banho. Era uma senhorinha mais idosa do que a anterior e muito gentil também. Mesmo assim, não fomos poupados de um bom puxão de orelha porque não avisamos que tinha uma criança com a gente, que custaria mais 4 libras na tarifa. Me senti tão mal na hora e prontamente me ofereci para pagar o valor que faltou, mas a senhora não quis receber, assim como não quis o valor pelas fichas de banho.

Demorei para pegar no sono aquela noite, me sentindo realmente mal por não ter feito a coisa certa já de início. Falamos tanto da situação do Brasil e do quanto esse “jeitinho brasileiro” nos prejudica como nação, mas por tão pouco acabamos parando no mesmo balaio de gato dos muitos corruptos brasileiros. Quando eu deixei de dizer que o Dani existia, mesmo sem a informação ter sido solicitada, eu assumi o risco de estar dando a Cesar menos do que lhe é de direito.

Eu sempre acho que a emenda pode sair pior do que o soneto, por isso o melhor é sempre fazer certo de cara, para não precisar voltar atrás. Como não foi o caso, eu ia ter que encarar a senhorinha logo de manhã, pedir desculpas por não ter falado sobre o Dani e dizer que eu insistia para pagar o que era correto, as 5 libras a mais. Eram 25 reais, mas não eram meus.

O desejo de deixar as coisas como estavam era grande, afinal a dona do camping já tinha me dito que não precisava pagar. Me peguei pensando no que eu poderia comprar com essas 5 libras e porque o nosso dinheiro tem que valer tão pouco. São sempre muitas desculpas para fazer o que é errado, mas apenas uma para fazer o que é certo: porque é certo.

Que imagem essa senhora teria de nós e do Brasil se eu não corrigisse esse erro?

Nós somos o Brasil, cada pessoa, cada ato certo ou errado de cada indivíduo. Eu quero um país melhor, e ele só será melhor se eu for diferente e correta até nas menores coisas. Fui dormir com o discurso de desculpas ensaiado e com o dinheiro separado.

Mas na manhã seguinte, antes de encontrar a senhorinha, algo inusitado aconteceu. Começamos uma conversa com o casal alemão que acampava na vaga ao lado da nossa. Eles eram muito simpáticos e tinham um amor especial pelo Brasil (ingredientes perfeitos para fazer amizade no camping). Qual não foi a nossa surpresa, quando fomos nos despedir, o senhor deu 20 libras de presente para o Dani!

Uau! Ficamos sem reação, sem palavras! Fiquei tão emocionada que perguntei para o senhor se poderia abraça-lo ... e ele aceitou todo constrangido rs.

Foi inevitável pensar que eu estava com dó de pagar as 5 libras que devia para a dona do camping e sem menos esperar recebemos 20 libras de presente. Se restava qualquer mínima dúvida de que eu tinha que acertar as coisas com a dona do camping, agora era Deus falando em alto e bom som para eu fazer a coisa certa.

Ficamos esperando a senhorinha aparecer para abrir a recepção e mal ela despontou no retrovisor do carro, eu corri em sua direção.

Ela não quis realmente aceitar as 5 libras, mas eu tive a oportunidade de pedir desculpas e insistir que queríamos fazer o que era certo. Ao invés do dinheiro, ela preferiu tirar fotos com a gente e com o Chulé, e ficar papeando por quase uma hora sobre os lugares por onde já tínhamos passado. Saímos de lá com um abraço apertado e com o coração leve.

Naquela mesma noite, antes de dormir, agradecemos juntos a Deus por tudo que fez e faz por nós. Sentimos claramente quando ganhamos aquele dinheiro que Deus estava nos dizendo para ficarmos tranquilos e confiarmos nEle e que nada nos faltará por gastarmos mais fazendo o que é certo. As 20 libras foram bem-vindas, mas ouvir a voz de Deus não teve preço!

Natany Gomes