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Estamos quase completando um ano de estrada. Já vivemos e vimos muita coisa, mas ao mesmo tempo dá aquela sensação de que o ano passou e que fizemos muito menos do que imaginávamos. O tempo passa num ritmo muito acelerado na estrada, as semanas começam e terminam numa rapidez assustadora. Atividades simples do dia a dia, como lavar louça, roupa, cozinhar, organizar itens pessoais, fazer a cama, consomem muito mais tempo na estrada do que em casa, pois a nossa estrutura acaba sendo muito primitiva e os recursos disponíveis são poucos.

Uma pia para lavar a louça é um luxo em algumas partes do mundo. Já perdemos as contas de quantas vezes tivemos que lavar louça em pias de banheiros, em rios e lagos ou com a mangueirinha do carro agachada no fundo do Chulé para não espirrar água com terra na roupa. Pela manhã, por maior que seja o nosso esforço, nunca conseguimos sair do camping com menos de 2 horas depois que acordamos. Os sacos de dormir dentro da barraca precisam estar numa posição exata para que a barraca feche certinho com o volume extra, o fogão nos dá um baile para acender de manhã, a louça precisa ser lavada antes de sair e se já sabemos que não estaremos em lugar com chuveiro à noite, já aproveitamos e garantimos o banho do dia.

Tudo isso leva um tempo inacreditável e que agora no inverno europeu faz a maior falta. Não conseguimos sair da barraca antes das 8hs da manhã, principalmente porque ainda nem amanheceu e em muitos dias as temperaturas estão negativas. Saímos dos campings entre 10hs e 11hs, e o sol está se pondo às 16:30hs. Cedo, né?

Na Itália sentimos mais esses dias curtos, principalmente porque no país eles têm a famosa sesta, que é aquela pausa no meio do expediente para tirar uma soneca. O problema é que a pausa deles é muito longa, geralmente das 13hs às 16hs. Ou seja, nosso dia não rende muita coisa. As cidades parecem abandonadas, tudo realmente fecha, até posto de gasolina. Em muitas cidades passeamos pelas ruas completamente desertas à tarde, com apenas uns poucos turistas como nós andando por ali.

Fomos sentindo gradualmente a chegada do inverno europeu com os dias mais frios, com vários dias seguidos de chuva, com a maioria dos campings fechados, mas mesmo assim estávamos animados, pois o inverno trazia consigo a possibilidade de ver neve. Nenhum de nós nunca teve a oportunidade de vê-la caindo do céu e estávamos ansiosos para ter essa experiência.  Já sonhávamos com o Natal num lugar cheio de neve, olhando pela janela e vendo os floquinhos se acumularem naquela paisagem toda branquinha. Combinamos com mais dois casais de viajantes amigos que estão pela Europa de passarmos todos juntos no sul da França e estávamos muito animados. Iam ser 3 dias de neve, muitas risadas, boa conversa e coxinhas e brigadeiros para matar a saudade de casa.

Mas, nem sempre os nossos planos são os de Deus e muitas vezes não conseguimos compreender ou mesmo gostar dos planos que Ele faz para nós. Foi esse o nosso caso.

Uma semana antes do Natal estávamos visitando a região da Toscana, na Itália. Todos os campings da região estavam fechados, então decidimos ficar num Airbnb e ir visitando as cidades da região. O tempo nessa semana não era nada promissor, em uma semana inteira teríamos apenas 2 dias de sol e o restante de chuva quase que 24 horas por dia.

Ficávamos de olho na previsão do tempo e sempre que víamos que a chuva daria uma trégua, aproveitávamos para conhecer algum vilarejo. Mesmo com o tempo nublado, o passeio valia a pena, pois as cidades eram uma gracinha, pareciam tiradas de um conto de fadas.

No sábado, vimos que a previsão de chuva era apenas para as 15hs, então decidimos visitar uma região muito bucólica próximo a Siena onde sentaríamos para apreciar a paisagem e fazer o nosso culto familiar. Quando já estávamos quase chegando, aconteceu uma mudança de tempo repentina e o céu ficou bem carregado. Vimos que a chuva iria chegar bem antes da hora e achamos melhor voltar. Não teve jeito, ela nos pegou no caminho. Estávamos dirigindo devagar, porque a chuva estava bem grossa, e olhando as gotas caindo no vidro do carro.  Achamos aquela chuva muito estranha, os pingos eram muito grossos. Em questão de alguns segundos, percebemos que na verdade já não era mais chuva, era neve. Estava nevando!

Assim que percebemos, tivemos uns 15 segundos de euforia, afinal estávamos vendo neve caindo do céu. Era um sonho. Mal terminamos de falar que era neve e o nosso carro perdeu a tração das rodas traseiras. Parecia que estávamos numa pista de patinação no gelo, deslizando suavemente, só que dessa vez sem controle da direção.

O sonho se transformou num pesadelo. Tudo aconteceu muito rápido, quando eu percebi que as rodas estavam deslizando, só tive tempo de gritar que ia bater. O carro atravessou para a pista contrária e bateu contra o guardrail, parando logo em seguida. O impacto foi tão suave que nem acionou os airbags. Olhei para trás e vi que o Dani estava bem, ainda preso na cadeirinha (que eu nunca coloquei muita confiança de que permaneceria firme numa colisão). O Cris também estava bem, ninguém sofreu nem um arranhão, nem mesmo um tranco no cinto de segurança.

Ficamos alguns segundos dentro do carro vendo a neve cair e processando o ocorrido. Eu me lembro de chorar e colocar as mãos no rosto em completo desespero, enquanto o Cris desceu do carro e foi avaliar o estrago. Nessa hora o Dani tentou me consolar, tão bonitinho. Segundo ele, eu deveria ficar feliz porque estava nevando e a gente queria muito ver a neve caindo. Com esse apelo tão ingênuo, até me forcei a parar de chorar, mas meu coração estava em pedaços. Criei coragem e desci do carro também.

Não consigo descrever a angústia que eu senti ao ver o Chulé. Ele estava destruído. Frente e lateral do motorista, além de um pneu rasgado. Uma batida tão boba, que nos pareceu tão leve de dentro do carro, e, no entanto, acertou o nosso carro num lugar crítico, bem na sua estrutura.  Estava com cara de perda total. ☹

Seria o fim da nossa viagem? Teríamos perdido nosso companheiro de aventura? Seria a nossa hora de voltar para casa? Nunca pensamos em voltar para o Brasil dessa forma, tendo perdido o nosso carro. Se tivéssemos seguro, teríamos ficado tristes, mas não desesperados, mas sem seguro o cenário era terrível (infelizmente numa viagem dessas não é possível fazer seguro, pois nenhuma seguradora aceita segurar um carro estrangeiro).

Próximo de onde batemos tinha um hotel. Dirigimos bem devagar até o seu estacionamento para trocar o pneu e tentar voltar para casa. Não iríamos encontrar um mecânico aberto até segunda-feira, então tínhamos que definir onde o carro ficaria, para onde o levaríamos. 

Nessa hora já não estava mais nevando, já tinha voltado a chover. Não tínhamos um guarda-chuva ou capa que pudesse proteger o Cris enquanto trocava o pneu, então fui até o hotel pedir um guarda-chuva emprestado. É muito triste ver como o povo europeu de um modo geral é frio com as necessidades alheias. Claro que não fui muito bem recebida e ninguém queria me ajudar. Em outras circunstâncias eu deixaria para lá e nos viraríamos sozinhos, porque depois de 6 meses na Europa já estamos acostumados com a frieza e individualismo das pessoas, mas não hoje. Eu estava arrasada pelo carro e não ia ficar vendo meu marido pegando aquela chuva gelada, com uma temperatura negativa de congelar os ossos, correndo o risco de ainda ficar doente. Bati o pé na frente do hotel e disse que eu precisava de ajuda e que não ia sair dali sem um guarda-chuva. Muito a contragosto, um guarda-chuva apareceu.

A troca do pneu demorou uma eternidade e muitas pessoas passaram por nós nesse tempo, observaram a cena de perto e foram incapazes de nos perguntar se precisávamos de alguma ajuda. Até mesmo um caminhão desses de manutenção de pista entrou no estacionamento, o motorista nos olhou e virou o rosto para o outro lado. Nós não íamos pedir que ninguém se deitasse no chão cheio de água e gelo para trocar o pneu com o Cris, só precisávamos de um macaco mais profissional para fazer a troca do pneu mais rápido.  Paciência, fizemos com o nosso mesmo.

O Cris terminou e estava encharcado. O pior é que depois de trocar o pneu percebemos que o eixo da roda tinha entortado, não conseguiríamos dirigir o carro até a casa. Tinha um posto de gasolina a um quilômetro de onde estávamos e resolvemos ir até lá bem devagarzinho para ver se tinha algum tipo de mecânica. Não tinha, mas o pessoal do posto nos autorizou a deixar o carro estacionado lá durante o fim de semana até que fosse possível levar para alguma oficina.

Estávamos numa região sem taxi, sem Uber e sem ônibus para a cidade onde nos hospedamos. O jeito foi ligar para o dono do Airbnb e pedir ajuda para voltar para casa. Fomos embora angustiados deixando o Chulé para trás daquele jeito. Aquela noite dormimos muito pouco. Passamos o dia seguinte muito tristes e revivendo o momento várias vezes pensando o que poderíamos ter feito diferente.

A verdade é que não tivemos tempo para fazer qualquer coisa diferente, nem mesmo reduzir mais a velocidade. O engraçado é que a neve não durou 5 minutos e logo voltou a chover. Caiu apenas pelo tempo de formar uma fina película de gelo na pista, que ocasionou o nosso acidente. E só nevou no trecho que sofremos o acidente, depois quando voltamos para casa vimos que não tinha neve em mais nenhum outro trecho da pista.

Apesar da tristeza, agradecemos muito a Deus porque não aconteceu nada com a gente. A região da Toscana é cheia de subidas, descidas, curvas, e nosso acidente aconteceu num trecho reto. Se estivéssemos numa descida poderíamos até ter capotado. Além disso, invadimos a pista contrária e felizmente não vinha nenhum carro ou caminhão, caso contrário o acidente poderia ter sido muito grave ou até fatal.

Acreditamos que todas as coisas, até mesmo aquelas ruins inicialmente, contribuem para o bem daqueles que amam a Deus e nossa certeza é de que Deus nos livrou de algo muito pior, que hoje não sabemos o que é. Um dia saberemos.

Dado o tamanho do estrago, não encontramos nenhuma oficina disposta a mexer no nosso carro e acabamos levando na concessionária da Toyota. Após a avaliação inicial, descobrimos que as nossas preocupações não eram infundadas, o acidente afetou muito a mecânica do carro, mas não de forma irreparável, para o nosso alívio. Teremos que trocar partes e peças bem caras, mas o Chulé ficará novinho em folha de novo. O ocorrido encurtará nossa viagem em alguns meses, talvez mudará nosso roteiro, mas não acabará com a viagem agora, ainda poderemos viver muitas aventuras mais! Agora é esperar a recuperação do nosso fiel amigo! Final de janeiro, se Deus quiser, estaremos na estrada de novo!

Natany Gomes

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